Bola Em Campo

28 de setembro de 2010

20 anos em 20 minutos



Há exatos 20 anos, o bancário de Sinop (MT) Rogério Ceni, 17 anos, chegava ao CT do São Paulo para um teste. E nem fazia questão de passar. Ele resumiu, em um papo de 20 minutos, sua história no clube.

Você veio direto pra Barra Funda?

É. Era uma sexta, 6 de setembro. O Gilberto (Morais, responsável pela base) pediu pra eu voltar no sábado. Voltei, fiz um treinamento aqui [no CT] e fui aprovado. Na segunda fui pro alojamento no Morumbi.

Até quando você morou lá?

De 9 de setembro de 1990 até maio de 1994, quando dei entrada no meu apartamento. Fui “expulso” de lá porque eu já estava no profissional desde 1992 e o alojamento era pro amador. Eu não queria morar no CT porque era longe de tudo pra quem não tinha carro. E tinha os horários, aquela coisa do Telê. Ele era muito bacana, mas no final de semana, mesmo que a gente jogasse no sábado e no domingo fosse folga, tinha que estar aqui no horário estipulado pelo Telê, 23h30. No clube eu jogava vôlei. Eu gostava de morar no alojamento. Foram quatro anos até eu dar entrada no meu apartamentozinho — nem precisei morar no CT.

Você imaginava o que te aconteceria?

De jeito nenhum. Nem tinha a pretensão. Não vou ser hipócrita de dizer que eu sonhei um dia com isso, achei que pudesse acontecer, que eu chegaria aqui aos 17 e, hoje, aos 37, continuaria aqui, jogando há tantos anos, com tantos jogos. Eu não parava pra pensar no futuro. Quando vim fazer o teste, eu gostava de jogar futebol, mas não tinha o objetivo de me tornar um atleta profissional.

Queria fazer o quê? Trabalhar com seu pai?

Trabalhei no Banco do Brasil por quatro anos. Sei lá. Sempre gostei de esportes, jogava vôlei e futebol, às vezes no gol, às vezes na linha, no meio, na lateral, gostava do esporte em geral. Vim aqui encarando de uma forma séria, mas jamais imaginando que pudesse chegar tão longe, que o tempo pudesse passar e eu, ininterruptamente, estivesse aqui depois de tanto tempo.
Se a tragédia envolvendo o Alexandre (reserva de Zetti, morto num acidente em 1992) não acontecesse, sua história seria diferente?
Acredito que possa ter mudado porque eu achava o Alexandre muito bom. Ele era tido na base como sucessor do Zetti. Com ele eu aprendi muito essa reposição de bola. Ele entrou bem na Libertadores. A morte dele mudou tudo. Eu era o quarto goleiro, treinava [no principal] e voltava [pra base]. A partir do momento em que ele faleceu, fiquei em definitivo. Foi muito triste porque era um cara muito bacana, trabalhador, que teria um futuro espetacular. Mas é a vida, é o caminho dos mortais, o destino.

Como explicar a um atleta que não se empenha que ele precisa ter raça?

Chegou um ponto em que o futebol se modernizou muito. Hoje não adianta você brigar com o cara. Não tem mais o passe. Se ele quiser, ele vai embora. Não existe mais o laço que existia nos anos 90, que existiu durante décadas. Hoje você tem que tentar, através do diálogo, trazer o cara pro teu lado, fazer com que ele sinta aquilo. Cada um enxerga o jogo, a vitória e a conquista de uma maneira. Tem gente que não sente tanto uma derrota, assim como não sente o prazer de uma vitória. Você tem que conviver com os mais variados tipos de entendimento da vida. Tem uns que têm 20 anos e acham que vão fazer tudo pra frente. Uns têm 30 e tantos e ainda querem ganhar muito. Você tem que tentar extrair o melhor de cada um. A cobrança maior está no treinador, no dirigente. Não adianta querer brigar com um cara que eu vou precisar em campo. Tento motivar o cara pra que ele me ajude. Alguns falam sobre trairagem. O meu amigo, meu parceiro, é o cara que me ajuda no campo. O cara que é muito gente boa, bacana, mas em campo não corre por mim, não é meu parceiro. Mesma coisa que você fazer essa entrevista, aí chega lá na redação e o cara não a publica. Qual é a graça? Vejo a vida mais ou menos assim. Aqui são todos meu amigos, alguns convivo há anos, outros há menos tempo, e falo que meu grande amigo é o cara que dá a vida em 90 minutos. As outras características são importantes no ser humano, mas estamos aqui pra trabalhar, ganhar. Não reclamo do cara que perde gol feito. Reclamo se ele não correr.

Você está ansioso pelo gol 100?

Não. Só que, se eu falo que não, as pessoas publicam do mesmo jeito que é minha obsessão. Não tenho a mínima pretensão. Se fizer 99 ou 101, não vai mudar minha vida. Nem chegar aos mil jogos. Quero jogar em alto nível, ser campeão mais vezes. Mesmo na fase ruim são objetivos que trago comigo todos os dias. Não é possível ser campeão brasileiro, quero estar na Libertadores. Não é possível? Não quero jamais ver meu time numa situação delicada. Se vier o 100º, legal, mas antes do 100º aconteceram 99. Saiu o gol 90, começou a contagem regressiva pro 100. Mas eu sou goleiro, fico atrás, não sou centroavante, que pode fazer três num jogo. O grande mal da imprensa hoje é que ela não noticia. Ela fabrica uma notícia e os outros repercutem. Sou a favor da imprensa que divulga notícia.
Acabando o contrato (em dezembro de 2012), você vai para os EUA? Ou vai ter um cargo no São Paulo? Vai ser técnico?
Ainda não tenho noção exata se vou parar. Depende de como as coisas caminharem até lá. Não sei como vai ser o nosso país em 2012. Do jeito que as coisas andam feias… Queria ter mais segurança pra criar minhas filhas. Técnico, não, é muito difícil começar a ser burro depois de velho. Você fez tanta coisa boa e depois o cara te xinga. Todo mundo “sabe” mais que o técnico.

Sua principal distração ainda é o violão?

Toco, mas pouco. Tive dez aulas. Sei umas 15 notas e arrumo músicas que encaixam naquelas notas. Sou apaixonado por música. Menos comigo tocando. Adoro viajar com a família de carro. É bom pra relaxar, ter um isolamento que é tão difícil na vida.

O que explica a queda do Fernandão?

É um cara fantástico. Joguei contra, jogamos juntos na seleção. Extremamente dedicado, profissional, inteligente, chega cedo. Não gosto de falar de um único jogador dentro de um contexto, pois é um time. Ele é importante independente de qualquer atuação. Foi decisivo na Libertadores. A partir do momento que o time encaixar, vai melhorar. Joga na frente, de meia, ficou no banco e não reclamou. Mentalidade de gente assim que é legal pra trabalhar. Só tenho elogios a ele. Mesmo que as coisas não deem certo. Uma coisa é o cara não ir bem num dia. Uma coisa é tomar gol do morrinho. Outra é não treinar.

Paulo Autuori ou Vanderlei Luxemburgo?

Atleta não escolhe treinador. É escolhido pelo treinador pra trabalhar com ele ou não. A hierarquia é presidente, diretor, técnico e atleta, que tem que estar à disposição. Se vier um cara e disser que não quer contar com o Rogério e o presidente concordar, vou embora. Trabalhei com Luxemburgo, Autuori e joguei com o Baresi. Faço o melhor pro São Paulo, independente do técnico. Se vier um técnico de caráter, ótimo. Se não, o clube vai pagar. Se eu tiver que sair por causa disso, saio de cabeça erguida, pela porta da frente. Tive sorte que 99% dos que passaram aqui foram pessoas boas.

Qual foi a maior alegria nesses 20 anos?

É ainda hoje estar aqui conversando com você, jogando, fazendo gols, lutando. Título? O Mundial de 2005, mas talvez seja o da Conmebol, que fez com que acreditassem que os garotos podiam jogar no São Paulo. Jogo? Não esqueço o do Rosário em 2004, que não deu em nada, mas foi importante. Gol? Talvez o da final do Paulista de 2000.

Placar:Bruno Favoretto

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